Autismo in vitro

 

Cientistas liderados por brasileiro criam neurônios autistas e conseguem tratá-los. O que isso significa?

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Estudar o autismo, um dos mais intrigantes transtornos do desenvolvimento humano, é uma tarefa complexa. Os cientistas não podem abrir o cérebro de uma criança para analisar o que se passa com seus neurônios. Avaliar o cérebro depois da morte do paciente não traz grandes informações: como os danos já foram causados, é difícil descobrir como a doença evoluiu. Por essa soma de dificuldades, um avanço publicado na sexta-feira na revista científica Cell trouxe esperança e causou sensação no meio científico.

A equipe liderada pelo biólogo brasileiro Alysson Muotri, de 36 anos, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, conquistou três feitos inéditos. Criou neurônios autistas em laboratório. Em seguida, revelou que eles são diferentes dos neurônios normais desde o início do desenvolvimento. Por fim, conseguiu tratar os neurônios autistas e fazer com que se comportassem como neurônios normais. Muotri trabalhou com autistas portadores da síndrome de Rett - uma forma grave da doença. Os bebés que sofrem desse problema se desenvolvem normalmente até o primeiro ano de vida. Depois regridem acentuadamente. Eles perdem a coordenação motora e sofrem rigidez muscular. Muitos morrem na juventude. A síndrome de Rett foi escolhida por ter uma causa genética clara. É provocada por mutações no gene MeCP2.

Para investigar a evolução da doença, Muotri criou neurônios autistas em laboratório. Células da pele de pacientes autistas foram extraídas e induzidas a se transformar em células-tronco embrionárias (capazes de se transformar em qualquer tecido). Depois, as células-tronco foram transformadas em neurônios (leia no quadro abaixo). O grupo observou que o núcleo dos neurônios autistas é menor que o dos neurônios normais. O número de sinapses (pontos de contato que permitem a comunicação entre os neurônios) também é menor nos neurônios autistas.

O próximo passo foi tentar "consertar" os neurônios doentes. Foram usados o fator de crescimento semelhante à insulina l (IGF-1) e a gentamicina. Os cientistas sabiam que essas substâncias tornam os neurônios mais vigorosos. Mas, usadas em excesso, podem produzir sinapses demais, o que é uma característica da esquizofrenia. Depois do tratamento, os neurônios autistas passaram a se comportar como neurônios normais. "Isso é fantástico, uma esperança de que a cura é possível", diz Muotri. O trabalho sugere que o estado autista é reversível - mas vai levar tempo até que um tratamento esteja disponível. Entre outras dificuldades está o fato de que nenhuma das duas drogas usadas no experimento pode ser aplicada em pessoas. Uma é tóxica e a outra não ultrapassa a membrana que protege o cérebro de substâncias químicas. Mas o trabalho poderá levar ao desenvolvimento de diagnóstico e drogas eficazes.

Muotri vive em San Diego há oito anos. Paulistano de Pinheiros, é casado com a bióloga Carol Marchetto, uma das coau-toras do trabalho. No ano passado, Muotri recebeu US$ 1,5 milhão do National Institutes of Health para continuar pesquisando. Ele ainda arranja tempo para fazer ioga e surfar nas ondas da Califórnia. "Essas coisas me equilibram", diz. Pelo jeito elas também o inspiram.

Fonte:

Cristiane Segatto

Coluna Saúde & Bem-Estar – Medicina

Revista Época 652

15 de novembro de 2010

Página 72

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